Para muitos a doutrina da eleição incondicional é incompatível com a justiça divina. Pensam que é inconcebível que o Deus Justo e amoroso tenha escolhido algumas pessoas dentre a humanidade caída e deixado as demais pessoas mortas nos seus delitos e pecados.
A ideia é a seguinte: Deus é justo, portanto, Ele não pode escolher alguns para a salvação e rejeitar outros. Deus não faz acepção de pessoas. Com certeza Deus não faz acepção de pessoas, mas esta não é toda verdade. Isso parece bonito, tem um som agradável, carregado de piedade, mas padece de fundamentação bíblica. Essa afirmação merece uma averiguação mais acurada das Escrituras.
Para fundamentar o argumento a respeito do amor de Deus, alguns evocam o testemunho de Atos 10. 34, que diz: “Então, falou Pedro, dizendo: reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas”. Como é perigoso tomar um versículo fora do contexto para justificar um ponto de vista teológico, cujos pressupostos estão fincados em areia movediça. O que o texto nos ensina é que não existem barreiras raciais para impedir a manifestação da graça salvadora.
Acompanhe a narrativa da Escritura. Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, depois do derramamento do Espírito Santo, a salvação extrapolou as muralhas geográficas de Israel (At 2). Após isto as rédeas foram tiradas das mãos dos judeus. Basta ler Atos 10. 35, texto que vem logo a seguir, o qual diz: “pelo contrário, em qualquer nação, aquele que teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 10.35).
Mas, além disso, esse versículo não está ensinando sobre soteriologia, ou seja, sobre doutrina da salvação. Muito embora haja nele alguns elementos os quais fazem parte deste ensino. É preciso ficar claro, pois do contrário, esse texto estaria ensinando sobre a salvação pelas obras, algo que é combatido pelas Escrituras de Gênesis ao Apocalipse.
Além do mais, o contexto do texto mencionado nos ensina, que até aquele momento, o centurião romano chamado Cornélio, ainda não era salvo, porque a salvação não é pelas obras. Cornélio tinha várias prerrogativas religiosas e morais, mas, ainda assim, não era salvo. O exemplo desse homem foi um excelente instrumento pedagógico para desconstruir os preconceitos raciais arraigados entre os judeus.
Ainda na tentativa de substanciar seu argumento acerca da incompatibilidade entre a eleição e a justiça divina, alguns citam a pergunta feita pelo patriarca Abraão: “Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18. 26). Fico irritado ao ver essas argumentações descabidas e falaciosas, que pegam o texto e fazem dele “um nariz de cera”, isto é, retiram do seu contexto e colocam onde bem querem. Isso é infidelidade hermenêutica. Essa postura deve ser classificada como prostituição doutrinária.
Claro que, de acordo com o texto dentro do seu contexto, Deus jamais executaria seu juízo, ou a sua ira contra os justos. Podemos exemplificar isso com o justo Ló, Deus o tirou de Sodoma e Gomorra para que não fosse fulminado com os homens ímpios daquelas cidades. Portanto, esse versículo jamais deve ser tomado para justificar que a eleição incondicional é uma injustiça divina.
Na verdade, a eleição incondicional não é uma questão de justiça, mas de misericórdia. Justiça seria se Deus tivesse sentenciado todos os descendentes dos nossos primeiros pais à prisão perpétua, isto é, ao inferno. Existe injustiça da parte de Deus por ter amado alguns e rejeitado a outros? A Escritura responde: “De modo nenhum” (Rm 9. 14). A verdade é que: “não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9. 16).
Portanto, se nalgum momento o assunto sobre a consoladora doutrina da eleição vier a baila, lembre-se que a eleição incondicional não é uma questão de justiça, mas de misericórdia. Justo seria Deus mandar toda raça humana para o inferno, misericórdia é Deus escolher alguns da raça humana para salvação em Cristo. Então, louve a Deus, pois Ele o contemplou com sua misericórdia.
Por: Rev. Fabio Henrique de Jesus Caetano.
Pastor da IPGII – DF